domingo, 25 de abril de 2010

FF DIFRAL

Senhores!
Não somos somente o que nossas identidades dizem. Somos muito mais. Muitas vezes aprecio a idéia de compartilhar meu aprendizado quanto aos fatos com todas as pessoas que me cercam, sem discriminação de quem sejam, de modo a harmonizar e ensinar a harmonizar nossas relações. Isso pode incluir subordinados, pares, superiores hierárquicos e juízes. Tanto civis quanto militares.
Inclui indiretamente interesses de “clientes”. Usuários de transporte aéreo e contribuintes do Imposto de Renda. Definitivamente, a gama de pessoas atendidas pelo serviço militar da aeronáutica é extensível a todos os brasileiros. Mesmo brasileiros que nunca embarcaram em aviões têm interesse que os que o façam não caiam sobre suas casas. Ou suas cabeças.
Muitas vezes busco evitar até mesmo discriminar pessoas em níveis sociais acima do meu. O “rico” também gosta de ser incluído nas conversas. Só não gosta de perder tempo. Por isso o ar natural de empáfia de quem ouve discussões triviais.
Eles também merecem saber o que torna suas vidas perigosas. O que os fragiliza ante a capacidade de pessoas confusas que se reúnem em maior número para discutir situações. Ricos e poderosos temem suas próprias bastilhas pessoais. Chefes no serviço público ou empregadores no exercício civil vivem receosos de “levantes” em qualquer nível. Afeta seu status.
Levantes muitas vezes atrapalham o desenvolver da raça humana. Noutras determina a mensuração e ajuste do “fiel da balança”, na forma de rever valores. Trata-se de um dispositivo natural de qualquer empreendimento humano, dado a necessidade de sobrevivência. O instinto coletivo nos leva a associar às pessoas mais capazes que identificamos, dentre as que passam a compor nosso círculo social.
O levante do Forte Copacabana foi um lance muito curioso. Passados os valores de época, tratou-se de uma insensatez que de certo modo deu certo.
Alguns malucos se apegaram aos seus equipamentos e posicionaram-se contra a depreciação de seus dispositivos de comando. Deu no que deu.
Formaram a Força Aérea. Com a criação do Ministério da Aeronáutica, homens da defesa terrestre tomaram controle de um espaço muito maior que a superfície terrestre de seu país. Responsabilizaram-se por um volume espacial imenso a que chamaram espaço aéreo brasileiro. Isso foi uma das mais impressionantes demonstrações de poder já manifestada por qualquer grupo ou indivíduo em nosso solo.
Penso em Eduardo Gomes. No que deverá ter pensado, de modo a reintegrar o Forte de Copacabana à submissão de seus serviços, incorporando-a ao espaço aéreo de sua autoridade. Eduardo Gomes venceu o Exército Brasileiro criando seu próprio exército. Um enorme exército de pára-quedistas azuis.
Seu exército desenvolveu seu sonho muito além do que ele pudesse imaginar. De defender passaram também a ordenar o tráfego e policiar a presença indesejável em nossos céus. Tarefa complexa que incluiu a dedicação de gerações, voluntária ou compulsoriamente.
Fomos longe. Operadores de radar, profissionais em telefonia, mecânicos automotivos e de aeronaves, agentes de administração e especialistas em obras – o incontável número de integrantes desse exército que voa faz com que sejamos o que desejemos ser. Um grande grupo.
Compartilho com muitos o desejo de uma Força Aérea invencível. Uma gente tão criativa que constitua dissuasão natural a qualquer oponente além fronteiras. Um grupo forte, unido.
Coisa que somente homens com muita moral, impenetrável a abalos, podem fazer sob a aprovação dos ensinamentos de seu mestre. Por que não o exemplo do Tenente Eduardo Gomes? Melhoremos a cada dia.
Evidentemente aprendendo também com os erros de estratégia alheios, seria de supor qualquer espécie de manifestação, mesmo um acabrunhado resmungo. Conhecendo o desfecho desagradável da Revolta Tenentista, com seus mortos e feridos, é importante manter em mente o ensinamento do mestre Ghandi, manifestando-se de modo pacífico e solicitando qualquer ordem duvidosa de superiores hierárquicos por escrito. Isso descaracteriza qualquer idéia de revolta ou motim e restringe as relações de trabalho à cadeia de comando. Vale lembrar que as relações sempre se resumem a um superior hierárquico funcional, no serviço militar. Mesmo as relações de comando são apreciáveis pelo judiciário, civil e militar.
Isso acontece porque o mecanismo da revolta é a existência de armas. O mecanismo do motim envolve subordinação direta. Não acatar um mais antigo não significa necessariamente desacatar um superior.
A não ser que seja de sua cadeia de comando.
Esse é o dispositivo que impede que um oficial general do quadro médico determine a um operador radar que suba ou desça uma aeronave controlada. Quando o controlador diz “não” a um brigadeiro intendente não constitui insubordinação. Quando vários controladores o fazem não significa motim.
Quando o comandante da unidade recebe um não, sua moral está sendo contestada. Nenhum profissional o faz sem apreciar os efeitos de suas decisões. O especialista somente admite sem resmungar quando percebe ética na determinação.
Sem ética, já era a moral. Revelasse o senso comum que fosse ético submeter pessoas à pressão de empresas, acionistas, usuários do transporte aéreo, autoridades e demais segmentos sobre o capital humano envolvido na segurança aérea não haveria motim, revolta ou qualquer manifestação contrária à normalização de serviços tão sensíveis à vida humana, o serviço dos órgãos de controle do país teria continuado normalmente, sem interrupção.
Se durante a crise aérea fosse recebida pelos centros de controle qualquer parte administrativa determinando a continuação das atividades, seria realmente um motim. Isso no caso de ser deliberadamente negado uma ordem escrita do comandante da unidade ou seus chefes. Isso não aconteceu.
É possível até dar o bizu do texto, como qualquer escrevente o faria: ”Determino-vos retornar à atividade militar de controle aos seguintes militares:...”
Se os subordinados envolvidos na questão não solicitaram tal parte, não significa que seus superiores não saibam que devam fazê-lo. Creio que não tenha sido feito.
Ao invés disso, abandonaram sua própria razão, incluindo civis num assunto onde não há a menor razão para deliberação sobre suas próprias decisões. Pediram ajuda a universitários.
Tal despreparo não é justificável por pessoas que deveriam saber dominar suas emoções, agindo de modo a positivar o bem comum permeado mesmo em nossos severos regulamentos e estritos estatutos. O desconhecimento desse teor é inescusável por qualquer autoridade. Principalmente judicial e militar.
Mesmo um soldado sabe disso.
Então, se reconhece inconsistências de um sistema que inclui antigos e modernos, superiores e subordinados, dentre os quais ambos os grupos pareciam despreparados para um evento que já era senso comum. Os acontecimentos que se sucederam ao acidente do Gol 1907 não angariaram o apoio do efetivo.
O capital humano não é a favor do afastamento de qualquer profissional de suas posições operacionais. Também não é a favor da descontinuidade dos serviços. O efetivo de proteção ao vôo observa com alguma apreensão a falta de tato com que foi relegada à condição passiva de observador.
Apetrechos no uniforme presumem, mas não determinam a moral de quem os ostente. Há pessoas que se apropriam da autoridade de uniformes e insígnias que sequer podem utilizar. Imiscuem-se como civis em assuntos privativamente militares, de gente “ativa”.
Moral tem quem sabe o que expressa e abraça a liberdade de fazê-lo mesmo que custe a liberdade – e é quase impossível prendê-los por sua conduta irrepreensível. Não há morte ou liberdade que impeçam qualquer brasileiro sensato de exigir o que há de melhor para seu país e ainda há muito a ser feito. O primeiro passo é desfazer a babilônia de relações e estabelecer comunicação proativa. O segundo é agregar esforços. O terceiro é valorizar cada componente desse seleto grupo autodenominado Força Aérea. A partir daí nada mais detém que aperfeiçoemos nossa segurança em amplo sentido. Importante lembrar aos senhores que ninguém está aqui à toa, ninguém ocupa espaço nesse planeta sem que haja qualquer atividade na qual possa contribuir. No serviço militar sempre há uma ou outra faxina a ser feita em todas as salas.
Inclusive de superiores.

terça-feira, 13 de abril de 2010

Primatas Mal Treinados

Tive um excelente professor de matemática, após uma série de outros professores detestáveis. Mozart era o tipo de ser humano que dava ânimo a qualquer ambiente. Todos ficavam gratos de tê-lo por perto.
Mais ainda: conseguia ensinar matemática como quem demonstra o funcionamento de uma caixa d’água: qualquer estúpido aprendia com ele. Deus sabe como fui grato em tê-lo conhecido. Mozart conscientizou-me que matemática poderia ser divertida.
As aulas desse professor da rede pública eram super interessantes. Era uma oportunidade única que a maior parte dos alunos, mesmo os gazeteiros, faziam questão de participar. Eram aulas onde o lógico ficava tão escancarado na nossa frente, que a consciência não podia negá-lo. E fazíamos graça disso. A melhor parte era quando ele concluía qualquer raciocínio:
“- Ora, se A=B, e B é igual a zero, então A é igual a zero também” – e fazia uma cara específica que não consigo reproduzir no papel. Logo após concluía:
“- Então? Qualquer primata bem treinado consegue resolver isso!”
Todos nós achávamos graça. E como resultado, ninguém esquecia aquela explicação. De algum modo, aquele curioso brasileiro que se denominava judeu desfazia de nossas mentes a incorreta sensação de que números fossem desagradáveis – e que judeus fossem gente avarenta. Distribuía ali um conhecimento que poderia tê-lo elevado a rendimentos muito superiores ao de professor.
Mozart poderia ter sido qualquer coisa na vida. Sua intimidade com números sugeria que pudesse ter sido tanto bancário quanto banqueiro. Poderia ter sido uma revelação entre os soldados ou uma excelente aquisição para a intendência. Essa capacidade tão particular é referenciada em muitos escritos antigos, que não omitem o fato que pessoas com essas características seriam postas a serviço de reis. Faleceu pouco após o início do novo milênio, acredito. Meu maior remorso é não ter tido coragem de visitá-lo no hospital. Militares ignoram a dor alheia blindando-se contra emoções, concentrando-se nas ações. É uma preparação que muitas vezes traz reflexo também na vida civil.
Mas senti que não me faria bem conscientizar-me da perda de um bom mestre.
Sinto-me, ex-aluno gazeteiro de sempre, conscientemente grato ao que muitos chamam de Deus por ter incluído em meu caminho este e muitos outros professores.
Tive também professores militares. Eles se intitulavam “instrutores”, mas instrutor nada mais é que um professor que não aceita ponderação. Ele instrui – e ponto final. Vale o que diz o manual.
O professor é diferente. Ele envolve seus alunos com a curiosidade experimental. Estimula a pesquisa de campos pelo próprio aluno.
O instrutor não faz experiências, ele ensina o que já foi testado. O aluno apenas desenvolve sua capacidade de aplicação.
Meus instrutores e professores durante a vida consolidaram seus esforços em cada turma acadêmica das quais participei. Sugiro que o leitor considere o ponto de vista que desenvolvi durante a vida, desde que me conscientizei peça nesse grande cenário chamado presente.
Integro o conhecimento de vários mestres. A mente humana muitas vezes condiciona-se ao exercício, tal qual se faz com os músculos. Minha mente está adequada a manter-me inteirado e capaz.
Instruído.
Pronto para agir quando necessário. A questão é assegurar-se que não haverá erros por ação ou omissão. Isso se traduz, no dia a dia, sua ação no serviço de guarda, por exemplo. Instruído também significa bem informado.
Isso é fácil para um sargento comunicações.
O segundo passo é avaliar o campo e o ambiente. Dica de Sun Tzu. Recomendo esse livro para qualquer divórcio.
Identifique seu oponente mais perigoso. Aquele que pode deixá-lo completamente inerte e observe-o atentamente. Você não vai procurá-lo nas pessoas, sim em suas ações. Pode ser seu chefe, um familiar, qualquer um.
Verifique condições de sair de seu domínio. Avalie os riscos.
Obtenha o maior número de informações a respeito. E utilize toda sua capacidade para sair de seu raio de ação.
Depois detone o oponente. Faça-o nunca mais desejar encontrá-lo pela frente. Isso vai facilitar sua vida – e a sobrevivência do oponente também.
Porque se você não sucumbir ao seu pior oponente, não sucumbirá diante mais ninguém. Basta lembrar que são primatas. Os primatas mais inteligentes, talvez.
Mas de um modo geral, primatas mal treinados.

sábado, 10 de abril de 2010

Serviço Militar - como funciona, no papel?

Nunca compreendi muito bem o termo “pegar ‘fulano’ para cristo”. A condenação, representada pela crucifixação, talvez seja parte de um processo onde seu exemplo renderá o desenvolvimento de toda uma nova mentalidade. Uma mentalidade superior aos ensinamentos anteriores. Essa mesma relação de envolvimento humano-metafísico repete-se e espelha-se em vários aspectos de nossas vidas. Na verdade, elas são determinantes nesse processo.

Talvez o maior ensinamento tácito que tenhamos recebido é que não precisamos de oponentes para sermos felizes. Países não-beligerantes agem dessa forma. Talvez esse sentimento de paz, numa medida muito própria do que acreditamos possuir por paz, leve-nos muitas vezes a afirmar que Deus é brasileiro.

Por que negá-lo? Que melhor momento para a paz do que aqui? Que época é melhor do que agora?

O inventor do miojo deixou um aprendizado muito sincero: ”Enquanto houver comida, a paz está assegurada”. Há algo fisiológico no ser humano que o determina assim.

A saciedade é um dos motivos de apaziguação. Apaziguado o estômago, a mente ou o espírito é que o ser humano médio adquire o melhor estado de reflexão. Uma mente desprovida de energia é como um motor poderoso sem combustível. Inútil, mas com potencial.

Transpondo essas constatações para a sociedade da qual participo, não é de se estranhar a desmotivação dos rostos de alguns grupos. Se é fácil receber um sorriso natural e afável nas quadras do Plano Piloto, não se o percebe igualmente no Pedregal. Talvez com o decorrer do tempo seja possível em qualquer lugar do Distrito Federal encontrar gente disposta, positiva e atuante. Essas características, entretanto, estão relacionadas com a qualidade de vida de cada indivíduo.

É no Serviço Militar brasileiro que há teoricamente a participação isonômica de três, das quatro classes sociais básicas: filhos dos ricos, pobres e da oscilante classe média. Dentro dos quartéis homogeneizamos a convivência de três tipos representantes da evolução financeira e social de nosso país.

Como se distribuem esses indivíduos? Como estabelecer uma linha média de suas características pessoais e potenciais? No modo como adquirem e gerenciam seus recursos.

Os filhos dos ricos evitam servir. Vêem a atividade como pouco rentável e buscam a realizar as atividades que dão maior retorno pessoal. Raros os que decidem dedicar-se ao meio militar. É mais fácil encontrá-los entre os oficiais superiores e generais. Não constitui regra, entretanto. Mas os poucos exemplos da classe pobre que atingem as maiores esferas de decisão sempre são referenciados por sua distinção. O restante é o que chamamos de “moita”. O cara que evita aparecer.

Os filhos da classe média costumam ingressar em uma de duas situações: via oficialato ou pelas escolas de formação de graduados. Normalmente, o serviço militar não é sua melhor opção, mas costuma ser a válvula de saída quando a pressão da competição por resultados se mostra superior aos seus esforços.

Os filhos dos pobres costumam ingressar nas forças como graduados ou praças. Não raro demonstram capacidade e passam a integrar o oficialato. A capacidade “política” desses raros exemplos definirá se atingirá os grandes comandos ou permanecerá confortavelmente em seções estáveis. Na grande parte das vezes, entretanto, permanecem soldados. As condições de ascensão de soldados são indiscutivelmente mais difíceis que as oferecidas aos sargentos. Isso advém de seu desgaste geográfico.

É possível afirmar que grande parte dos oficiais residem a menos de 15 km do quartel. Praticamente dentro da cidade. Isso facilita o acesso de tal modo que não se torne um suplício vencer o trânsito crescente das cidades, permitindo-os acordar confortavelmente a partir das 7:00h da manhã, configurando uma noção muito própria de classe média. Já os graduados moram em média até 25 km de seu trabalho. A distância adicional é suprida pelo empenho de suas energias financeiras na aquisição de veículo próprio. Muitos fazem de seus veículos próprios objeto do serviço e buscam ma medida do possível, permitir-se dessa forma ao máximo de sono possível. Buscam viver como a classe média. Soldados residem em médias superiores a 30 km do quartel. Não raro chegam atrasados, e no grande grupo de escoteiros, onde massificamos os filhos de nossos integrantes, são os mais punidos. A diferença é que do tempo quando o regulamento foi elaborado para os de hoje há muitos obstáculos a transpor para evitar dissabores administrativos.


Perceba-se que em nenhum momento, citei a existência de ricos no quartel. Minha definição particular de rico estende-se a pessoas que acordem naturalmente, sem o desespero da falência a que causaria sua ausência em qualquer envolvimento importante.

Considero rico, por exemplo, qualquer playboy dirigindo um bom importado nas ruas do Lago Sul. O que o torna rico em meu ponto de vista não é o relógio singular, a qualidade inegável de suas roupas ou o veículo confortável. É o tempo livre que suas condições no país o oferece. E o país, assim como seus pais, oferece mais ainda: ele pode dormir despreocupado toda noite, contando com a eficiência de seu governo para que possa dormir sossegado.

Apreciei essa distinção certo dia, ao abastecer “minha” motocicleta. As aspas são pertinentes, se contar do fato que a moto está registrada para fins de multa em meu nome, e mesmo que já estivesse quitada continuaria sendo paga por intermédio de meu “direito de utilizá-la”. Você pode quitar a moto, mas porta afora sua casa, ela jamais será totalmente sua. Se você não pagar para um terceiro, ele tomará seu veículo. E leiloará, e ficará com a sua grana.

Logo, a moto não é minha, é do Brasil. Seja lá esse quem for.

Enfim: enquanto abastecia a motocicleta do Brasil, cortou-me a frente um camarada com toda pinta de um californiano. Bermuda, óculos extravagantemente de bom gosto e um item importante: relógio. Quem usa relógio muitas vezes não conta com o tempo, e sim dispensa carregar consigo um aparelho celular. Rico aparenta necessidade de comunicação.

A idéia que eu tinha de um tipo “playboy” ainda era a de um Tom Selleck. Quarentão, numa Ferrari vermelha. A Ferrari não era do “Magnum”, era carro da empresa. O rico, realmente, era o Higgins. Um tipo soberbo que causou uma pré-concepção da personalidade dos proprietários desses veículos.

Prestei atenção a esse detalhe em outro episódio similar, também durante um abastecimento. De uma Ferrari marrom metálica desceu um modelo de proprietário atual. Pneus extra-largos e tanque completado com gasolina de alta octanagem, ele retirou-se com a tranqüilidade de quem conduz uma perua da família.

Presumi que em ambos os casos, são filhos de gente milionária. E tem, nas imediações de sua vizinhança, diversos postos de serviço onde há um número a ser preenchido. Por dispositivos sociais, estão desobrigados de servir ao Estado em qualquer uma de suas inúmeras guardas.

Ricos estão desobrigados a compor o Serviço Militar Inicial, justamente porque não há espaço para eles. Sobra aqui fora para viverem uma vida plena. A lei de serviço militar deixa de integrá-lo, suplantada por legislações diversas. Seu sono está assegurado.

Enquanto isso, abastecíamos os veículos. Havia naquele momento como o há qualquer dia e momento do ano, uma guarda. Ao transpô-la, quase pude identificar o desejo do sentinela. Liberdade. Quem sabe a liberdade de poder deixar seu posto a quem o deseje e sair de moto por aí. O soldado sonha em ser classe média, e desconhece os sonhos de seu estágio superior.

Saí do posto antes do playboy. Não consegui convencer-me de qualquer motivo para queixar-me de sua existência, muito pelo contrário: lembrar-me da legislação de serviço militar fez-me crer que no processo democrático, nada mais justo que permitir aos nossos reservistas o direito de estar bem nutridos, descansados e prontos para a guerra.

Há vários modos de medir o valor militar. Um dos que mais aprecio é o jurídico. Outra é o funcional. O julgamento de cada valor é preordenado por nossas legislações. Mesmo em transgressões disciplinares administrativas, há em alguma esfera, o julgamento. Os dispositivos legais a que o brasileiro se sujeita quando se alista.

Para os alistados no Serviço Militar da Aeronáutica, vale a RMA 33-1, a consolidação da Lei de Serviço Militar. Interpretando a legislação, o serviço militar consiste em atividades que o indivíduo irá assumir como responsável em um quartel. É obrigação de todos os brasileiros, conforme estipulado também em outros regulamentos. Mulheres não são obrigadas ao serviço militar, mas ficam sujeitas a encargos de interesse da mobilização. Armem suas vassouras!

Sua classe não é de acordo com seu signo. É de acordo com o ano em que completa dezenove anos, ou seja: aos dezenove, caso não use saias, já deverá estar por obrigação desempenhando suas funções. Em tempo de paz, ou de guerra.

Diz ainda que você poderá ser voluntário, a partir dos 17 anos. Ao recrutamento.

O recrutamento compreende seleção, convocação, incorporação ou matrícula de órgãos de formação da reserva, e voluntariado, onde serão avaliados os aspectos físico, cultural, psicológico e moral.

Uau.

Isso significa que o cara mais importante quanto ao tipo de gente que entra no quartel é o alistador militar.

Fosse necessário com meu conhecimento de recruta realizar tal função, começaria da seguinte forma: reforçando as guardas. Isso mesmo: através de uma boa seleção, aumentaria o temor público de confronto com nossas guaritas. Colocaria o soldado mais perigoso na guarda.

A questão é que perigoso é uma definição um tanto vaga, dado a diversidade de autoridades que transitam na capital. Uma autoridade tem sempre mania de medir forças com outra eventualmente, checando seu “grau combativo”. Só há um campo onde a moral do indivíduo não tem a menor chance: o relacionamento familiar. Por mais tirano que alguém possa parecer no ambiente profissional, sempre há alguém que o leva por suas paixões.

A maior vingança de um militar contra um civil sempre vai ser o serviço militar obrigatório. Um civil que resida a quinze minutos do quartel economizaria inúmeros processos de atrasos, desobstruindo mesas e decisões. Tudo o que o alistador militar precisa para atrair para a guarda alguém que sabe lidar com o rico é o filho do próprio rico. Preferencialmente alguém que tenha por hábito usar relógio.

E se o Brasil entrar em guerra, sua mulher. Ninguém discorda que se há alguém que exerce mais poder do que os próprios ricos, pobres ou classe média, são suas mulheres – esposas ou não. A verdade é que por trás de um grande homem ou um total fracassado, há uma mulher. Mesmo que a própria mãe.

Exageros à parte, dispositivos semelhantes mantêm o efetivo em baixo desempenho financeiro. No momento em que o jovem atende ao chamado e se alista, de um a quatro anos serão “investidos” em uma atividade. Ao cessar essa atividade, deverão encontrar espaço para convívio com os demais de sua classe. Sua reabsorção pelo mercado de trabalho poderá ser dificultosa ou não.

O país o retribui destacando-o entre os reservistas. No caso de mobilização, quem serviu terá precedência funcional sobre quem ainda será instruído. Alguns retornarão às atividades pelas quais foi instruído e participarão da instrução e administração.

O emprego estará a cargo dos mais modernos. Os filhos de amanhã dos que não serviram hoje.

Espaço Aéreo

Há setores profissionais e atividades diversas em aparente convulsão. E como o indivíduo e o meio são a mesma coisa, vivemos essa convulsão junto com o sistema. Dificuldades financeiras, problemas sem solução e restrições diversas são processos que estamos envolvidos eventualmente em nossas vidas pessoais. Este deve ser um momento de profunda reflexão para identificarmos o que há por trás desses acontecimentos e que deve ser feito.
A vida militar passa por vários ciclos que fazem parte de seus processos seletivos e evolutivos. E hoje vivemos a finalização de um deles. A necessidade do serviço determina que tracemos o caminho que nos leve à segurança, à qualidade de vida de cada integrante de nossa unidade. O indivíduo é indissociável de seu valor na sociedade. Principalmente no tocante ao bem comum de quem participa das enumerações do Estado. Estendo a referência à segurança de cada passageiro, em cada aeronave, beneficiado pela atenção de pessoas em terra. Pessoas, que por definição constitucional, são incumbidos de responsabilidades e autonomias que os diferencia dos civis. O caminho da segurança se dá, antes de tudo, através do primeiro impulso em direção à nossa consciência, nossa mentalidade. Devemos todos reconhecer dentro de nós mesmos, a qualquer tempo que seja questionado, esse fundamento básico da disciplina, esse principio estritamente militar.
O efetivo mudou. Todos nós temos mudado rapidamente sem estarmos individualmente preparados para isso. E com isso, novos problemas sociais e organizacionais são desencadeados freqüentemente. Abusos de autoridade, assédio funcional, o surgimento de lideranças deficientes, represálias administrativas, temor como fundamento da disciplina, transgressões e desmotivação, tudo isso fez e faz parte desse processo, a FAB não vai acabar. Mas seus valores mudarão de tal maneira que uma nova força despontará.
A caserna está atravessando o limiar entre o mínimo operacional e a confiança em sua capacidade real. Estamos empatados degrau abaixo das necessidades de qualquer civil em nossa qualidade de vida. Esse é o principal motivo do desenrolar de tanta oposição e falta de colaboração mútua entre servidores de toda administração e autoridades. Servimos num momento de crise coletiva. O que éramos já não faz mais sentido. Somos promovidos, nos adaptamos, mas ainda não sabemos o que seremos. Estamos no meio, entre o que somos e o que devíamos nos tornar. Muitas de nossas crenças pessoais terão coro em seus semelhantes, basta tomar uma xícara de café. Mesmo a ética extremista causa desgaste moral. A mensuração dos valores militares é algo que exige conhecimento adicional ao que é cabível aos civis.
Há uma espécie de dispositivo em cada um de nós que está deixando de funcionar, um padrão de interação que está falindo. Nossos pensamentos estão se voltando para o mundo civil, assim como nossos sentimentos. A cada dia que passa, são revelados fatos e somos conscientizados da caracterização do que é ético ou moral, os mais autênticos poderes que se manifestam dentro de alguns de nós. Impulsos que vem de outros exemplos, que fizeram parte de nosso processo aprendizado. Por isso estamos vivendo situações estranhas, onde a maior parte das coisas acontece e só tomamos conhecimento quando já nada podemos fazer.
Os desentendimentos ainda aumentarão, essa é a sensação de "fim do mundo" que todos nós estamos vivendo – no campo profissional e pessoal. Precisamos descobrir o que isso significa para cada integrante, pois a partir de já, nossa missão é defender o patrimônio da instituição: o efetivo. Para que a aplicação desordenada de punições deixe de desmoralizar a hierarquia e possa ser assegurada a disciplina necessária às próximos comandos. Devemos defender os princípios pessoais e profissionais de modo a justificar a qualquer momento nossas atitudes buscando fazer exatamente o que magistrados possam julgar e defender como militar qualquer cidadão.
Juízo para todos!