Sem dúvida, um dos aprendizados mais marcantes que um soldado aprende, é a cuidar dos mais modernos. O sistema não é "desenhado" para tal. Na verdade, só prevê dispositivos disciplinares. Errou, é pau. No mundo civil, qualquer pessoa bem fundamentada pode lançar mão de dispositivos legais e "zonear sua vida". No meio militar não é muito diferente. Por isso, quanto mais "militarizada" a unidade, mais difícil a comunicação entre os mais modernos e mais antigos. Ou seja: quando é detectado uma deficiência relativa ao serviço, o soldado não possui uma janela de comunicação direta com o tenete. Presumivelmente ocupado, o tenente conta com o dispositivo da cadeia de comando para que somente os assuntos de seu interesse sejam imediatamente comunicados por seus subordinados. Enfim: esse é o processo. O tenente jamais será incomodado quanto aos problemas que é dado ao sentinela da guarda solucionar. Se o sentinela for safo, contornará situações mesmo com autoridades muito acima de sua equipe. Se for um "mocorongo", poderá dar início a um petit de platinas. E ainda sobra amolação pra toda a equipe.
Aprendi ao longo de uma década e meia observando os mais antigos. Havia alguns sargentos que lidavam com suas tropas e obtinham melhor rendimento que outros. Quando soldado, eu costumava prestar atenção neles. Uma das funções militares que testam e atestam a capacidade de liderança é a de sargenteante de recruta.
O sargenteante de recruta pode ser um paizão para a turma, como pode também ser um grande filho-da-puta. Tanto faz. O regulamento não dá lá grande dica de como liderar gente de quase sua própria idade. Ou pior, como chefiá-los. Logo, havia bons sargentos e sargentos insuportáveis. Eu o percebia o tempo todo. Pouca gente na unidade é mais atento que o sentinela que tira serviço em seu próprio "escritório".
Decidi cedo que quando fosse sargento, seria uma "mescla" do que eu achasse de melhor na tropa. Independente de juízo alheio. Ainda estou aperfeiçoando-me.
Mas um ou outro dia, observo o mundo civil. Há alguns anos, percebia um garoto na porta da padaria pedindo moedas aos transeuntes. Imaginava se o guri teria a disposição aguerrida de nossos soldados em manter-se em atividades pouco prazeirosas, a troco de pouco dinheiro e alguma dignidade. Ele tinha oito anos.
Agora está com cerca de treze. Às sete e meia da noite, num horário porra-louca, decido lavar o carro. No lavajato, lá estava o Gabriel. À noite, frio, lavando carros de camiseta. Ajudando o Galego. O frio estava de rachar, e o custo da lavagem foi cinco reais. Isso mesmo: R$ 5,00.
A primeira coisa que passou em minha cabeça foi a certeza de que ele seria um bom soldado. Com algum treinamento e provas fáceis, poderia ir a cabo. Mas a vida civil não tem os privilégios da rudeza militar. Mesmo nos mais militarizados ambientes, sempre há um ou outro elemento que estende a mão em auxílio do mais moderno que tenha potencial.
Na rua, não. Você tem que provar que vale o investimento.
Então, quando o Estado investiu em minha formação militar, num órgão que integra serviços civis com militares, não posso pregar nada diferente do que a mistura entre o conhecimento da caserna e a criatividade civil.
Gabriel me faz pensar o tipo de forças armadas precisamos deixar para ele.
Não há um só dispositivo legal que determine o desperdício de gente competente formada pelo próprio Estado. Onde estará Hespanhol?
terça-feira, 16 de março de 2010
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